Nova norma da CVM abre as portas para ativos do mercado voluntário; recepção é positiva, mas ainda há dúvidas de como incorporar esse ativo nas carteiras
Um novo mercado para os créditos de carbono brasileiros se abre com a edição da nova norma dos Fiagros, fundos que investem nas cadeias produtivas do agronegócio.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou nesta semana norma que regulamenta esse tipo de veículo de investimento e, entre as as novidades, abre a possibilidade de que eles apliquem em créditos de carbono originados no contexto da atividade do agronegócio.
A norma foi bem recebida por ter acolhido várias demandas do mercado e não limitar a aplicação ao mercado regulado de carbono, que ainda não existe no Brasil, como outras normas do regulador do mercado de capitais.
A possibilidade de que esse ativo chegue a fundos oferecidos a investidores do varejo também foi comemorada.
A norma define créditos de carbono do agronegócio da seguinte forma: “Títulos representativos da efetiva redução da emissão ou da remoção de gases do efeito estufa da atmosfera, nos termos da legislação e regulamentação específicas, originados no âmbito das atividades das cadeias produtivas do agronegócio”.
(Aqui vale a pena uma breve recapitulação sobre os mercados de carbono.
O chamado regulado, tema de um PL em tramitação no Senado, representa um mecanismo que obriga empresas de setores muito poluentes a reduzir suas emissões. Isso tipicamente se faz num ambiente de cap and trade. Grosso modo, entes regulados que forem além de sua obrigação de cortes negociam seus excedentes com quem está devendo.
No mercado voluntário, não há regulamentação nenhuma. No caso brasileiro, os créditos são gerados principalmente em atividades de preservação da floresta e vendidos a empresas que decidiram compensar suas emissões de carbono mesmo sem serem obrigadas por lei – voluntariamente, daí o nome.)
A CVM tirou do texto a diferenciação entre o mercado voluntário e regulado, lógica que acompanha os temas ligados a crédito de carbono, observa Flávio B. Lugão, sócio de fundos de investimento e asset management do Mattos Filho.
Uma versão anterior do texto, que foi colocado em audiência pública, previa limitações no investimento em créditos de carbono do mercado voluntário.
“A alternativa que a CVM trouxe para o texto foi muito interessante, em deixar aberto e se adequar à legislação quando ela existir”, diz José Pugas, sócio e head de investimentos responsáveis e engajamento da JGP Asset Management.
Outras novidades
Os Fiagros foram criados com o objetivo de aumentar a possibilidade de financiamento do agronegócio e ampliar o seu rol de investidores. A nova norma, chamada de resolução CVM 214, substitui a norma temporária de 2021 (resolução CVM 39), que serviu como um período de testes para o o mercado.
Com isenção de imposto de renda para pessoas físicas, esse tipo de fundo foi bem recebido e cresceu no período. Entre julho de 2021 e junho deste ano, o patrimônio líquido desses fundos alcançou R$ 37 bilhões, distribuídos entre 115 fundos.
“O agronegócio representa quase um terço do PIB, mas não tinha ainda grandes oportunidades para investidores”, diz Yuri Rugai Marinho, fundador e CEO da Eccon Soluções Ambientais.
As novas regras entram em vigor em 3 de março de 2025. Os Fiagros que já estão em funcionamento terão até 30 de junho de 2025 para se adaptar.
Além dos créditos de carbono, a norma da CVM abre a possibilidade de diversificar os ativos que podem entrar nas carteiras dos fundos de agro, ampliando o leque de estratégias que os gestores poderão usar. Na norma anterior, os Fiagros operavam sobre regulamentos feitos para outros tipos de veículos, sobretudo dos fundos imobiliários (FIIs).
A novidade de poder constituir uma espécie de Fiagro multimercados, que reúna aportes em ativos diversos, foi destacado como um benefício. Serão permitidos investimentos em compra de imóveis rurais, participação societária em empresas de agro, títulos de renda fixa (como LCA, LCI e CPR), cotas de fundos como FIPs, FIDCs e ETFs, além de Créditos de Descarbonização (CBIOs).
Carbono absorvido nas carteiras
Gestores de recursos, advogados e desenvolvedores de projetos de carbono estão digerindo a nova norma e há dúvidas de como eles serão incorporados às carteiras. Mas a avaliação parece positiva no geral.
“Essas mudanças vão fomentar e alavancar esse mercado, de forma que o Fiagro pode se tornar relevante para o financiamento de projetos de créditos de carbono desenvolvidos na atividade do agro”, diz Antonio Augusto Reis, sócio de direito ambiental e mudanças climáticas do Mattos Filho.
Não está claro, por exemplo, se os fundos poderão apenas negociar créditos de carbono já emitidos ou financiar a etapa anterior, que é colocar dinheiro no projeto de desenvolvimento do crédito.
No entendimento do Mattos Filho, pela ampla categoria de ativos permitidos nos Fiagros, é possível que eles não apenas negociem os créditos de carbono, mas também os emitam a partir dos imóveis rurais em sua carteira.
“O regulador mudou, da primeira versão do texto, títulos ‘negociados’ para ‘originados’, o que abre a possibilidade de o Fiagro participar do mercado primário de crédito de carbono”, diz Lugão.
Esse entendimento se adequaria, assim, à realidade do mercado de desenvolvimento de projetos de carbono. Da mesma forma que o produtor agropecuário precisa de financiamento para o plantio, investir para ter a safra e o retorno lá na frente, os projetos de carbono têm a mesma característica, diz Marinho, da Eccon.
“É preciso bastante dinheiro para fazer um projeto, sua elaboração, certificação, manter uma equipe especializada”, afirma. No entendimento do executivo, a norma não permite que os Fiagros financiem projetos, apenas negocie os créditos.
Um ponto que a norma deixa claro é a responsabilidade do gestor por verificar a existência, integridade e titularidade dos créditos de carbono adquiridos. “Deixa claro também a responsabilidade para ter padrões de registro [do ativo] que sejam reconhecidos. Ou seja, fecha as portas para os cowboys do carbono”, diz Pugas.
O mercado de carbono já viu casos de emissão fraudulenta. “Esse ponto é delicado, porque há casos de crédito vendido por A numa propriedade que era de B, casos de grilagem de terras”, diz Marinho.
Cadê o carbono do agro?
Atualmente, a geração de créditos de carbono pelo agronegócio é ainda incipiente. Os grandes produtores ainda estão no estágio de medir suas emissões e capturas para fazer inventário.
No Brasil, o mercado voluntário de carbono tem, basicamente, três tipos de projetos.
Os REDD+, baseados na preservação de florestas, são de longe os mais comuns no Brasil. Há os ARR, de projetos de reflorestamento e restauração de áreas degradadas. Por fim, há os IALM (Improved Agricultural Land Management), proveniente de técnicas de agricultura sustentável ou regenerativa, cujas práticas têm grande potencial de sequestrar carbono.
Além da recuperação de terras degradadas para atividades produtivas, a agricultura brasileira tem grande potencial para gerar créditos de carbono por ter uma matriz energética renovável e um manejo da terra que usa práticas que evitam a emissão de gases, como plantio direto e de cobertura.
“Se medir as emissões e captura de carbono do cultivo, excluindo o desmatamento, o Brasil está abaixo da linha de base mundial”, diz Marinho, da Eccon.
Segundo ele, várias empresas se movimentam para montar seus projetos, e o agronegócio sustentável deve começar a emitir créditos de carbono em breve.
Pugas, da JGP, tem a mesma percepção. “Hoje é um mercado nascente, mas já tem contratos sendo firmados. No momento em que se cria um veículo de investimento, o mercado financeiro se interessa e fluxo de capital acontece”, diz o executivo, otimista.
Fonte: Reset