Agro brasileiro faz preparativos para apresentar setor como parte da solução para impedir as mudanças climáticas
Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostram que as mudanças no uso da terra equivalem a mais de 20% da emissão global de carbono. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO),um terço dos solos do mundo está moderado ou altamente degradado, reduzindo a capacidade do solo de armazenar e reciclar carbono, nutrientes e água – o que impacta diretamente a produção de alimentos.
Em meio a esse cenário, pela primeira vez, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28) terá 22 grandes eventos dedicados à agricultura, alimentação e água, ao longo da programação que acontece de 30 de novembro a 13 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes.
Na ocasião, a expectativa também é que a FAO apresente diretrizes de como os sistemas alimentares devem mudar, para que o mundo permaneça dentro da meta globalmente acordada de limitar o aumento da temperatura a 1,5° C acima dos níveis pré-industriais.
Principal produtor de alimentos, fibra e energia do Hemisfério Sul, o Brasil tem um papel importante na discussão. Às vésperas do evento, o país faz um esforço para que haja convergência entre os setores agrícolas, ambientais e de relações exteriores nesta agenda de segurança alimentar e climática.
Em entrevista à EXAME Agro, Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), diz que há intenção de mostrar “uma posição única de país”, em que agropecuária possa ser “a grande solução para o alcance das metas de redução de emissões”.
“A gente leva para a COP, não só iniciativas que o setor agropecuário tem para alcançar as mitigações de emissão de gases de efeito estufa, mas também mostra soluções em adaptação, diante de evidências, sendo um potencial provedor de soluções para as NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada)de qualquer país”, afirma Ananias.
Para ele, o posicionamento do setor está calçado naerradicação do desmatamento e na geração de alimentos e energia por meio da agricultura de baixa emissão de carbono.
Para defender essa tese, ele argumenta que “o agro é o setor econômico que tem o melhor potencial de redução de mitigação e adaptação”.
CNA: barreiras tarifárias devem fica em segundo lugar
Com escritório em Dubai, a CNA deve reforçar a proposta de transição energética, por meio dos biocombustíveis, biometano e biomassa, no país conhecido pela atuação no ramo do petróleo. Para isso, Nelson Ananias conta que, a princípio, a entidade setorial não deve assumir uma postura de pedir dinheiro aos países desenvolvidos, embora o financiamento para a agenda verde seja uma das pautas da COP28.
“A gente não quer dinheiro para financiar diretamente essas ações de agricultura de baixo carbono. Por outro lado, entendemos que podemos ser mais ambiciosos e, para isso, dependemos do apoio de quem tem o recurso”, ele diz.
Nesse sentido, ele diz que o Green Deal ou outras barreiras comerciais e tarifárias precisam ficar em segundo lugar, porque o foco da conferência é o clima do planeta.
“Vamos trabalhar nesse sentido [da agenda sustentável], e não para tratar de barreiras econômicas, que podem contaminar as negociações do acordo do clima. Mas, se forem tratadas, estaremos prontos para defender o produtor rural e a contribuição do agro no cumprimento das NDCs brasileiras”, afirma o coordenador da CNA.
Financiamento climático
No contexto de finanças climáticas, Ana Toni, secretária de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente, defende “a mobilização mais ampla da economia mundial para que seja financiada a transição energética de forma realística”.
Em um evento da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (AMCHAM), em São Paulo, ela disse que são precisos “trilhões” de dólares para resolver as mudanças climáticas.
“Esperamos que nessa COP os países desenvolvidos se mobilizem pelos em desenvolvimento. Estamos falando de milhões de dólares, mas sabemos que para mudanças climáticas a gente precisa de trilhões, além de despriorizar financiamentos que não cabem mais no mundo, como combustíveis fósseis”, afirmou Ana Toni.
Na COP28, ela também espera que avancem as conversas sobre construir infraestrutura necessária para enfrentar a transição energética. A secretária do MMA se mostra a favor de pensar os meios para a transição energética, especialmente quais informações e capacidades serão necessárias para concretizar esse objetivo.
“Como é que a gente capacita a nossa mão de obra, como olhamos os sistemas educacionais de pesquisa? Temos que pensar os meios de implementação e esperamos que nessa COP consigamos ir além do financiamento e realmente nos perguntar quais outros temas estão impedindo os países que querem avançar”, disse.
Para Ana Toni, políticas públicas e o engajamento do setor empresarial brasileiro serão essenciais.
É por isso que Abrão Neto, CEO da AMCHAM, vai pela terceira vez à Conferência do Clima da ONU e concorda que o evento também se tornou uma ocasião para a iniciativa privada participar mais ativamente das discussões sobre impactos e soluções para o clima.
“É um ponto muito importante de encontro de representantes da sociedade civil e do setor empresarial, às margens das reuniões entre os governos. Tem uma força impressionante e uma dinâmica quase que própria”, ele diz.
Um dos exemplos é a transição para uma economia de baixo carbono, cuja fonte será “uma combinação de recursos públicos com recursos privados, valorizando ações que tenham um cunho de sustentabilidade real”.
Ao todo, comenta Abrão Neto, a AMCHAM Brasil mostrará na COP28 os 183 projetos idealizados por 111 empresas, em 2023, cujos investimentos representam mais de R$ 31 bilhões. No setor é agropecuário, ele cita a geração da biomassa, incentivo à indústria dos biológicos e a agricultura de baixo carbono.
Fonte: Exame