Eles desenvolvem as lavouras em área de 17 mil hectares, que correspondem de 1,5% da reserva.
No Oeste de Mato Grosso, um grupo de cerca de 3.000 indígenas levanta cerca de R$ 10 milhões por ano plantando soja, milho e feijão e cobrando pedágio de veículos que atravessam por estrada asfaltada de sua reserva, a Utiariti, localizada entre a terceira e quarta cidades que mais produzem grãos no Brasil, Sapezal e Campo Novo do Parecis.
Sem licença do Ibama, mas com apoio velado da Funai, os indígenas moram em 86 aldeias e desenvolvem as lavouras em uma área de 17 mil hectares, que correspondem a cerca de 1,5% da reserva total, de 1,2 milhão de hectares entre os rios Verde e Papagaio.
Antes dos anos 1980, a terra era maior. Mas fazendeiros locais foram invadindo a reserva até que os indígenas conseguiram estabelecer os dois rios como limites para a área —e não tiveram muitos problemas desde então.
Segundo Arnaldo Zunizakae, 51, filho de um cacique e responsável pela produção agrícola em uma das quatro cooperativas da reserva, tanto o dinheiro levantado na produção quanto os valores dos pedágios — de R$ 10 para motos até R$ 50 para carretas — são distribuídos igualitariamente entre os indígenas, numa média de R$ 3.330 por ano.
Os indígenas também cultivam pequenas lavouras e têm criações de animais para a subsistência nas aldeias. Além dos parecis, a terra abriga outras etnias, como os nambiquara e os manoki.
Segundo Zunizakae, assim como ele, a maioria dos indígenas da reserva votou em Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2022. Sobretudo pelo fato de o ex-presidente ter defendido, ao longo de seu governo, que os indígenas pudessem explorar economicamente as suas terras.
O uso comercial da reserva Utiariti começou no início do governo Lula 1, em 2003, sem licenciamento do Ibama, numa época em que a legislação ambiental não era tão rígida.
“Decidimos que era o certo a fazer e fizemos”, diz Zunizakae. “Antes de começarmos a produzir, tínhamos vários problemas de desnutrição nas aldeias, com a morte prematura de crianças.”
Nos últimos anos, os indígenas vêm pressionando para obter um licenciamento ambiental formal e concordaram com uma série de obrigações. Entre elas, assinaram, com a intermediação do Ministério Público, um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que os impede, por exemplo, de plantar produtos transgênicos na área.
“É uma obrigação, mas a verdade é que a soja convencional requer mais defensivos agrícolas do que a transgênica”, diz Zunizakae.
fato de as terras das reservas pertencerem à União também impede que os indígenas consigam financiamentos bancários regulares para produzir, já que não têm como oferecer a propriedade como garantia nos empréstimos. A saída tem sido assinar contratos de financiamento penhorando parte da safra.
“Ao contrário dos produtores convencionais, que têm anos para pagar empréstimos, pagamos todos os anos com as sacas que produzimos, correndo o risco de termos parte da safra frustrada por condições adversas”, diz Zunizakae.
Para auxiliar os produtores indígenas, além de outros no estado, o governo de Mato Grosso trabalha na criação de um fundo em que depositaria R$ 200 milhões para servir de garantia a tomadores de financiamentos, cujos valores podem chegar a R$ 2 bilhões.
Segundo Zunizakae, quando o licenciamento ambiental estiver concluído, a ideia é chegar, ao longo de 30 anos, a 50 mil hectares de plantações.
Ele afirma que as melhorias nos últimos anos permitiram aos indígenas estudar mais, formando agrônomos e advogados capazes de gerir uma operação maior.
“Hoje, nas cidades próximas, recebemos um tratamento diferenciado. Os índios chegam de carro e fazem compras nos supermercados”, afirma. “Das 300 pessoas que empregamos na época da colheita, 20% são bancos [não indígenas].”
Segundo Zunizakae, no ano passado o projeto recebeu a visita de lideranças de diferentes etnias do país. “Muitos vêm aqui procurando entender o que estamos fazendo, para tentar começar algo parecido em suas reservas”, diz.